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domingo, 19 de setembro de 2010

Olhares estranhos que se cruzam

Por Alane Reis
Um conto sobre família, valores, ideais e amizades inesperadas.


Estavam sentados no bar, rotina se verem aos sábados, ele sempre ia na cidade que ela morava antes de voltar pra casa, ela descia e o encontrava na praça. Não havia motivo específico numa amizade como esta, nenhum interesse, nenhuma afinidade cronologicamente construída, apenas uma compatibilidade estranha e uma cumplicidade comum àqueles subversivos.

Confuso, conheciam- se a vida toda, e no ano corrente foram apresentados. Riam sinceros. É fato, nenhuma cama de motel é tão eficaz em desnudar vergonhas e pudores quanto uma mesa de bar. Entre uma cerveja e outra, cada palavra compartilhada parecia um delito, mas tudo era tão puro, quase sagrado. Há uns anos atrás ela jamais pensara em mater uma relação sequer parecida, ele ao contrário, sempre enxergara na prima adolescente a mulher que se tornaria, que se tornaste.

Jhone beirava os 30, hoje era um pai de família, detententor da responsabilidade de gerir um lar. Conseguira o respeito entre os pais, primos, tios e tias, não sabe ainda se fora o filho, o casamento, o trabalho ou a juventude transviada que largaste para assumir as responsabilidades de homem. Já não era a "ovelha negra", timidamente passava à prima esse cargo.

Lara, quase 20 anos, já foi o orgulho da família, hoje possui hábitos estranhos. Ainda assim, saiu de casa aos 18, mudou pra uma cidade vizinha a que seu pai era oriundo, e moravam os seus parentes, dividia casa com amigas e estudava pra ser jornalista, não era muito de conversar, não nas reuniões familiares. Ela era diferente, todos sabiam disso, só não entendiam ao certo no quê. O pai se orgulhava, a mãe tinha medo.

Jhone e Lara, aos próprios modos viviam fugindo, foi a forma que encontraram para não perderem-se de si mesmos. Ele tinha o emprego perfeito, de segunda a sábado trabalhava numa cidade distante, sábado a noite ia vê-la, e de lá seguia de volta pra casa. Ela havia se mudado da casa dos pais, a universidade era como um mundo paralelo. Mesmo estando a uns 15 km de onde vivia a família de seu pai, era bom se sentir sozinha.

Sábado após sábado, a intensidade daquilo ia aumentando, o machismo regente da família em que vinham não tinha voz nessas conversas.
“Jhone não concordo com traição, por que você faz isso com sua mulher?”
“Lara, dê pra quem você quiser, sexo é bom, mas só com camisinha.”
“Sério Jhone? Você já usou todas essas coisas? Hoje você podia tá trabalhando pro Manassés, rsrs”
“Lara, você sabe que tem gente que acha que você é sapatona, isso não te incomoda não?”

Duas gerações da conservadora família católica. O que pensariam se os vissem ali? O homem casado no bar, sozinho com a prima. E por sinal, desde quando menina direita anda em bar? Ainda mais com homens casados... Que se foda o moralismo!Ele via nela um refúgio, ela via nele um confidente.

Almoço de domingo, motivo para falar da vida dos outros, estão todos da família. A prima que aos 20, recém casada. O primo pegador, socialmente apresenta a namoradinha virgem, ela quer ser enfermeira. A tia que já curtiu a vida, um dia foi “puta”, hoje mãe de família, dá lição de moral aos sobrinhos. O primo homofóbico, fuma unzinho de vez em quando, e longe de casa tem uns amigos viados. O primeiro filho, o irmão mais velho, o tio mais respeitado, pai de família, bom para esposa, é bom também em manter amantes sem que se saibam.

No encontro de mentirosos, falam do filho de Ciclaninho com Beltraninha que tem amigo vagabundo e colocou uma tatuagem. É culpa da mãe. Claro! Ela que não soube criar o filho... Enquanto isso, em cantos distintos da sala eles estão sentados, o ex porra louca, que hoje é pai de família, e a menina que já foi ideal mas agora anda com um cabelo pra cima e tem uns amigos com conduta moral reprovável. Os olhares se cruzam. Estranho... mal se cumprimentaram. Eles dispensam um do outro beijos na testa e palavras educadas.

Fotografia: Lasar Segall, Família; João Wener, Mesa de bar.

5 comentários:

Luiz Scalercio disse...

belissimo texto
muito bem escrito
gostei muito do seu
blog vou seguir ta.
comente no blog
www.analucianicolau.adv.br

Mariana disse...

E eu que sou foda? Euzinhaa aqui? Amei, Lane!

"É fato, nenhuma cama de motel é tão eficaz em desnudar vergonhas e pudores quanto uma mesa de bar."

É fato! kkkkk

Beijos

Alane Reis disse...

suahsuahsuahusha... Brigada Mah, mas continuo te achando foda, rs

Beijo

http://souferrofundido.blogspot.com/ disse...

"Quebrou", Nane, vc "leva jeito pra coisa"hehe...
E eu realmente sempre adorei papo de boteco, por mais besta que fosse.Ainda mais com desconhecidos, é como se um novo mundo se abrisse.Até porque as vezes rola umas histórias inventadas,um "aumento mas não invento", que é mesmo engraçado e ... revelador. Faz uns anos que não piso em um...mas isso vai mudar, minha nene crescendo, e ambas precisando de certa liberdade...Porque famílias são essenciais e maravilhosas as reuniões, uma vez por ano melhor ainda, mais que isso é a treva!....(um dos pilares da família é mesmo a hipocrisia.)
E é assim...a louca será no futuro a que reprime, a reprimida a que enlouquece.
Beijossssssss.Saudades.Adorei como sempre.

Alane Reis disse...

Obrigada Naty. Eu tenho mania de recomendar boteco pra tudo, eu mesmo sou psicóloga formada pelos bares da vida, entrei na militância através de mesas de bar, parece estranho né, cada um tem sua tática de socialização e crescimento. A minha é a boemia. Rs